sábado, 11 de outubro de 2008

Memória


O meu pai nunca foi muito de andar comigo atrás. Tudo lhe servia de desculpa para conseguir evitar a minha colagem. Uma típica, era dita na brincadeira de que quando o acompanhava ao antigo estádio José Alvalade, o Sporting perdia, pois eu dava azar.
Daí, quando era mais pequeno, só por uma vez eu o acompanhei ao emprego, o que por acaso também não me deixou muita vontade de lá voltar e também não retive nenhum episódio, ou alguma conversa. Só me lembro de ter ficado muito envergonhado e tímido de cabeça baixa numa secretária, agarrado a um lápis.
Mas eis que hoje, e passados cinquenta anos voltei a entrar no local onde o meu pai tantos anos (36) trabalhou, o Arsenal do Alfeite. É algo surrealista. A memória dispara-me flashes de imagens para enquadrar com as que presentemente vejo e as secretárias não sendo o mesmo mobiliário, também os rostos não o são. E eu a esforçar-me para que fossem os mesmos, procurando ao mesmo tempo o lugar onde estive sentado, como se fosse possível ver ali um rapazinho pequenino de calções.
Para chegar às instalações administrativas tive que passar vários controlos onde muitos marinheiros, ou oficiais da marinha alguns em fato e boné de gala me bateram pala, coisa a que estamos acostumados quando a polícia de trânsito nos manda parar.
Lá dentro segui estrada fora (aquilo é enorme) até chegar à beira rio com todos os barcos de guerra ancorados. Para quem viu o filme Pearl Harbour, o cenário é idêntico, salvaguardando as respectivas dimensões. Tive pena de não estar com a máquina fotográfica, o que provavelmente não me serviria de nada, pois não acredito que deixem tirar fotografias, apesar de o meu pai na altura as ter tirado. Agora ao revê-las bem compreendo toda a paisagem naval, pois estava ali mesmo à sua mão de semear junto ao local de trabalho, o Serviço Administrativo.

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